sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Regularizar passivo ambiental e proteger vegetação nativa, desafio para o Plenário do Senado

O projeto de novo Código Florestal (PLC 130/11) que chega ao Plenário do Senado tem o propósito de conciliar a regularização do passivo ambiental com regras capazes de proteger as florestas, freando o desmatamento e incentivando a recuperação da vegetação. É com esse discurso que os relatores do texto, senadores Jorge Viana (PT-AC) e Luiz Henrique (PMDB-SC), têm defendido o substitutivo que deve ser votado em Plenário na próxima semana. O projeto tem sido objeto de intensa polêmica e mobilização, pois traça os limites entre preservação do meio ambiente e as diversas atividades econômicas, tanto no campo quanto na cidade.
No centro dos acertos com o passado - o chamado passivo ambiental - estão produtores rurais que ocuparam Áreas de Preservação Permanente (APPs) e áreas de Reserva Legal (RL). Integram esse grupo antigos ocupantes que derrubaram matas seguindo leis da época e acabaram ilegais pelas regras de hoje. Mas também estão fazendeiros que expandiram suas lavouras já na vigência das normas de proteção florestal. Também estão em situação irregular pequenos produtores, empurrados pela concentração fundiária para áreas acidentadas, e ribeirinhos, reconhecidos por utilizar as margens dos rios de forma sustentável.
Ao longo dos 46 anos de vigência do atual Código Florestal (Lei 4.771/1965), considerado pelos ambientalistas o guardião da vegetação nativa do país, esses produtores acumularam problemas com órgãos ambientais, além de multas e, mais recentemente, dificuldades em acessar políticas de crédito. No mesmo período, o desmatamento aumentou, chegando a um passivo de 50 milhões de hectares e demonstrando a ineficiência dos mecanismos de comando e controle.
O texto aprovado na Câmara, do deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP), hoje ministro do Esporte, gerou pesadas críticas e forte oposição dos ambientalistas, por ter mais foco nos interesses dos ruralistas e de outros setores da economia do que na efetiva proteção dos recursos florestais e dos diversos biomas do país. Em seis meses de tramitação no Senado, o projeto teve alterações e, entre elas, está a separação da nova lei em disposições transitórias, com regras para a regularização das áreas desmatadas, e em normas permanentes, para proteção das florestas existentes.
Disposições transitórias
Matas ciliares
Como previsto no texto que veio da Câmara, foi mantida a data de 22 de julho de 2008 como o limite para regularização de atividades agrossilvopastoris, de ecoturismo e de turismo rural em APP, chamadas de "áreas consolidadas". Mas Luiz Henrique e Jorge Viana explicitaram condições para essa regularização. Para todas as propriedades, fica a obrigação de, dentre a área total a ser considerada consolidada, recuperar os 15 metros de mata nas margens de rios com até 10 metros de largura.
[Foto: Ronai Rocha/CC]
Para imóveis rurais que detinham, em 2008, área de até quatro módulos fiscais, e para rios com mais de dez metros de largura, será exigida a recomposição de faixas de matas correspondentes à metade da largura do rio, observado o mínimo de 30 metros e o máximo de 100 metros. Mas a exigência de recomposição de mata ciliar não poderá ultrapassar o limite da reserva legal estabelecida para o imóvel.
Para imóveis que detinham, na mesma data, área entre quatro e quinze módulos fiscais, a recomposição obrigatória será definida nos Programas de Regularização Ambiental (PRA), ouvidos os conselhos estaduais de meio ambiente. União, estados e o Distrito Federal terão um ano, a partir da publicação da nova lei, prorrogável por igual período, para implantarem os programas.
Encostas e manguezais
Ainda nas regras transitórias para APPs, foram incluídas regras específicas para terras de inclinação entre 25º e 45º, nas quais serão admitidas atividades consolidadas. Essas atividades também serão autorizadas em apicuns e salgados, biomas que integram os manguezais nos quais são produzidos camarão e sal. Serão ainda regularizadas as ocupações no entorno de nascentes, sendo obrigatório manter vegetação num raio mínimo de 30 metros.
[Foto: Antônio Cruz / ABr]
Para propriedades que tenha desmatado área de reserva legal, foram definidas as opções para regularização, como a regeneração natural ou a compensação em outra propriedade. Em qualquer das possibilidades, será obrigatória a inscrição do imóvel no Cadastro Ambiental Rural (CAR).
As propriedades de até quatro módulos fiscais ficarão dispensadas de recompor a reserva legal, podendo regularizar a propriedade com o montante de mata nativa existente em 2008. Também não será exigida a recuperação de reserva legal para aqueles que desmataram seguindo lei da época.
Disposições permanentes
De acordo com o substitutivo, a nova lei terá como fundamento "a proteção e uso sustentáveis das florestas e demais formas de vegetação nativa em harmonia com a promoção do desenvolvimento econômico", além de oito princípios para nortear sua aplicação.
O texto lista atividades de utilidade pública, interesse social e baixo impacto ambiental, para caracterizar as únicas situações passíveis de autorização de desmatamentos em APPs, além das previstas na lei. O substitutivo também incluiu os conceitos de "área abandonada", "área verde urbana", "faixa de passagem de inundação" e "áreas úmidas", os quais passam a ser utilizados para o estabelecimento de regras de proteção ambiental ao longo do texto.
Ao longo de 58 artigos de normas permanentes, os relatores buscaram definir regras para colocar em prática o fundamento da lei, conforme resumido a seguir:
Área de preservação permanente: A delimitação de APP adotada no projeto segue em grande parte a lei em vigor. Em relação ao projeto aprovado na Câmara, foram incluídos os manguezais como áreas protegidas e também as faixas marginais de veredas.
O texto também admite, para pequena propriedade ou posse rural familiar, o plantio temporário em terra exporta na vazante dos rios, desde que não impliquem novos desmatamentos. Admite ainda, em área de mata ciliar e para propriedades com até 15 módulos fiscais, a prática da aquicultura.
Reserva legal: os relatores mantiveram os percentuais mínimos obrigatórios previstos no Código Florestal em vigor, mas flexibilizaram algumas regras. Quem desmatou a partir de 2008 terá cinco anos para recompor a vegetação. Nessa área será permitido o aproveitamento da madeira e de frutos e sementes, com base no manejo sustentável.
O projeto flexibiliza as regras para estados localizados na Amazônia Legal. Nesses casos, a reserva legal poderá ser reduzida a 50% da área da propriedade, quando mais de 65% do território do estado estiver ocupado por áreas públicas protegidas.
O substitutivo também abre a possibilidade de redução da reserva com base no Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE) e fixa em cinco anos o prazo para que os estados aprovem o instrumento, seguindo metodologia unificada.
Cadastro ambiental: a proposta em análise determina a criação do Cadastro Ambiental Rural (CAR) e estabelece o prazo de um ano, prorrogável uma única vez por igual período, para que os donos de terras registrem suas propriedades nesse cadastro. Os dados do CAR serão disponibilizados na internet e servirão para a elaboração dos Programas de Regularização Ambiental.
Incentivos econômicos: foi incluído capítulo específico tratando de incentivos econômicos e financeiros para preservação e recuperação de áreas florestadas. São sugeridos, por exemplo, mecanismos para remuneração por serviços ambientais - pagamento ao agricultor que preserva matas nativas, responsáveis pela conservação dos recursos hídricos e dos solos, conservação da beleza cênica natural e a conservação da biodiversidade, entre outros.
Para incentivar aqueles que cumpriram a legislação ambiental, o substitutivo estabelece o critério da progressividade, por meio do qual terão prioridade no acesso a recursos e credito.
Também foi incluída a possibilidade de o governo federal implantar programas de conversão de multas para todas as propriedades. Para financiar a recomposição ou premiar a preservação, foram sugeridas como fontes de recursos porcentagem da arrecadação de cobrança pelo uso da água ou da arrecadação com o fornecimento de energia elétrica.
Cidades: em artigo específico são previstas regras para proteção de áreas verdes nas cidades, prevendo, entre outras medidas, que sejam mantidos pelo menos 20 metros quadrados de área verde por habitante em novas expansões urbanas.
Também concede poder aos conselhos estaduais do Meio Ambiente para definir as faixas mínimas de mata ciliar em rios que cortam as cidades, conforme a área de passagem de inundação.
Agricultura familiar: o projeto dá tratamento diferente para a agricultura familiar, em capítulo que reúne regras que levam em consideração a situação peculiar desse segmento. Os agricultores familiares poderão, por exemplo, contar com autorização para manter atividades de baixo impacto ambiental em área protegida, dispor de regras simplificadas para inscrição no Cadastro Ambiental Rural e até mesmo para o licenciamento ambiental de Planos de Manejo Florestal, entre outros benefícios.
[Foto: Empaer / Assessoria]
Reciprocidade: os relatores incluíram no projeto artigo prevendo autorização para que sejam adotadas, pela Câmara de Comércio Exterior (Camex), medidas de restrição às importações de produtos de origem agropecuária ou florestal produzidos em países que não observem normas de proteção ambiental.
Polêmicas
O substitutivo que chega ao Plenário foi fruto de entendimento entre o governo e os ruralistas e conta com o apoio da maioria dos senadores nas comissões por onde tramitou. No entanto, alguns pontos poderão ainda ser modificados. Um deles diz respeito à regularização de atividades em apicuns, parte dos manguezais onde é realizada a produção de camarão. Senadores do Nordeste querem retirar o bioma da condição de APP.
[Foto: Carlos AA de Sá]
Também há questionamento sobre emenda incluída no texto, a qual estabelece que, em bacias hidrográficas consideradas críticas, a consolidação de atividades rurais dependerá do aval do comitê de bacia hidrográfica competente ou dos conselhos estaduais do meio ambiente.
O substitutivo foi enviado nesta sexta-feira (25) à Mesa do Senado, com pedido de urgência para votação em Plenário, e deverá ser votado na próxima semana.
Iara Guimarães Altafin / Agência Senado

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Prorrogado o prazo do Georreferenciamento.

Os prazos do Geo foram prorrogados
Finalmente, foi publicado o decreto com a prorrogação dos prazos para a obrigação do georreferenciamento dos imóveis rurais.
Os novos prazos, agora em vigor, são os seguintes:
Mais abaixo o texto integral do novo Decreto, que se limitou a alterar o artigo 10 do Decreto nº 4.449/2002.

Alerta: “não deixe para depois”

A lei não está obrigando ninguém a georreferenciar seu imóvel rural, nem está impondo sanções diretas a quem ficar inerte. Tecnicamente, a adaptação da descrição do imóvel rural pelo seu proprietário configura apenas um “ônus” imposto pela norma.

Isso significa que a única consequência para o titular do imóvel que não esteja georreferenciado (certificação do Incra e posterior ingresso na matrícula do Registro de Imóveis) é a impossibilidade de aliená-lo (por venda ou doação) ou de parcelar sua área. O seu proprietário não estará "à margem da lei" e sua desídia não caracteriza irregularidade, transgressão ou conduta desabonadora. A única crítica que pode ser feita a ele é a de ter causado a desvalorização (temporária) de seu próprio imóvel, ao deixá-lo de fora das facilidades do mercado.

A verdade é que o “geo” poderá ser feito apenas quando o proprietário do imóvel resolver vendê-lo ou parcelá-lo. Mas seria isso uma boa ideia?

Não, de forma alguma. Essa ideia é péssima!

O problema de “deixar para depois” é que a necessidade de vender um imóvel costuma surgir de forma bastante imprevista, ou porque surgiu uma grande oportunidade de negócio ("sorte nos negócios") ou devido a situações emergenciais pelas quais ninguém gostaria de passar (exemplo: necessidade de dinheiro para viabilizar uma inadiável e arriscada cirurgia). Como o procedimento para georreferenciar o imóvel costuma ser algo um pouco complicado e bastante demorado, o proprietário não conseguirá solucionar seu problema de uma hora para outra, podendo perder um grande negócio ou até ver-se numa situação extremamente delicada.

Diante de todo o exposto, o melhor conselho a ser dado agora aos titulares de imóveis rurais é o seguinte:

  • Providenciem, o quanto antes, o georreferenciamento de seu imóvel rural, consultando o registro de imóveis para saber a situação de seu bem imóvel e contratando um agrimensor credenciado pelo Incra para efetuar o levantamento.

Uma forma que poderia baratear os custos seria a união de alguns proprietários de imóveis confrontantes, os quais, em conjunto, poderiam contratar os serviços de um mesmo agrimensor para efetuar, ao mesmo tempo, o levantamento de todos os seus imóveis. Isso facilitaria o serviço do agrimensor e dos proprietários, ou seja, essa união resultaria em um bom negócio para todos os interessados.

Eduardo Augusto

Diretor do IRIB

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DECRETO Nº 7.620, DE 21 DE NOVEMBRO DE 2011.

Altera o art. 10 do Decreto nº 4.449, de 30 de outubro de 2002, que regulamenta a Lei nº 10.267, de 28 de agosto de 2001.

A PRESIDENTA DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, inciso IV, da Constituição, e tendo em vista o disposto na Lei nº 10.267, de 28 de agosto de 2001, 
DECRETA: 
Art. 1o  O art. 10 do Decreto no 4.449, de 30 de outubro de 2002, passa a vigorar com a seguinte redação:
"Art. 10.  ...
IV dez anos, para os imóveis com área de duzentos e cinquenta a menos de quinhentos hectares;
V - treze anos, para os imóveis com área de cem a menos de duzentos e cinquenta hectares;
VI - dezesseis anos, para os imóveis com área de vinte e cinco a menos de cem hectares; e
VII - vinte anos, para os imóveis com área inferior a vinte e cinco hectares. 
§ 1o  ..." (NR) 
Art. 2o Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação. 
Brasília, 21 de novembro de 2011; 190º da Independência e 123º da República. 
DILMA ROUSSEFF
Afonso Florence

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Conceitos de Imóvel Rural: Certificação do Incra quanto ao Imóvel Georreferenciado.

O procurador federal do Incra e especialista em Direito Registral Imobiliário pela PUC Minas, Dr. Ridalvo Machado de Arruda, elaborou um artigo elucidativo sobre os conceitos de imóvel rural, no qual defende que o "conceito agrário" não se aplica ao procedimento de certificação do memorial descritivo georreferenciado.

Devido à importância do tema e com a autorização de seu autor, disponibilizo aqui, na íntegra, seu bem estruturado artigo jurídico.

Boa leitura a todos!
Eduardo Augusto
Diretor do IRIB
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Conceitos de Imóvel Rural: Aplicação na Certificação do INCRA expedida no Memorial Descritivo Georreferenciado

Ridalvo Machado de Arruda

Procurador Federal
Especialista em Direito Registral Imobiliário (PUC-Minas)

A Lei nº 4.504, de 30 de novembro de 1964 (Estatuto da Terra), e a Lei nº 8.629, de 25/2/1993, definem "imóvel rural" como sendo o prédio rústico, de área contínua qualquer que seja a sua localização, que se destine ou possa se destinar à exploração agrícola, pecuária, extrativa vegetal, florestal ou agroindustrial, quer através de planos públicos de valorização, quer através de iniciativa privada.

Desse conceito extrai-se que, estando localizado em área urbana ou rural e constituído por uma ou mais áreas identificadas por meio de suas respectivas matrículas imobiliárias — inclusive nos casos de posse com ou sem título —, o imóvel rural a que se refere o direito agrário caracteriza-se, essencialmente, pela formação de uma unidade de exploração econômica, quer seja representada por uma única propriedade imobiliária, quer seja pelo grupamento dessas propriedades (§ 3º, do art. 46, da Lei 4.504, de 30/11/1964).

O Incra, para proceder ao cadastro de imóvel rural, utiliza-se da definição dada pelo Estatuto da Terra e, por força da Instrução Normativa INCRA nº 95, de 27/8/2010, considera como sendo um único imóvel rural duas ou mais áreas confinantes pertencentes ao mesmo proprietário ou não, desde que seja mantida a unidade econômica, ativa ou potencial. Esse entendimento acompanha posição do Supremo Tribunal Federal sobre o assunto, conforme se vê dos Mandados de Segurança nos 24.488 e 21.919, por exemplo.

A Receita Federal, para fins de tributação, considera um único imóvel rural duas ou mais parcelas de terras rurais, desde que localizadas fora do perímetro urbano do Município (vide §2º do artigo 1º da Lei nº 9.393/96).

No Registro de Imóveis, o imóvel será rural, independentemente de sua localização, se constar da matrícula o código que o Incra lhe atribuir, ou melhor, se houver referência ao Certificado de Cadastro de Imóvel Rural — CCIR —, considerando-se a unidade imobiliária o prédio rústico descrito na sua respectiva matrícula, em observância ao princípio da unitariedade da matrícula, ou seja, cada imóvel terá sua própria matrícula e cada uma representará um único imóvel, conforme artigo 176, § 1º, inciso I, da Lei nº 6.015/73.

Diferentemente do sistema de cadastro do Incra, no Registro de Imóvel a área descrita na matrícula representará sempre uma unidade imobiliária. No cadastro do Incra, o imóvel rural poderá ser constituído por várias matrículas, por parcelas de matrículas (nas frações ideais em que a posse é localizada) e até mesmo por áreas de posse. No Registro de Imóveis, não é assim. Cada matrícula representa uma unidade imobiliária, mas nada impede que o proprietário requeira ao oficial de registro a unificação das áreas descritas em suas matrículas, desde que a fusão dessas matrículas (ou transcrições) seja juridicamente possível, providência esta que resultará em uma nova matrícula com a descrição do perímetro total dessas áreas, formando-se, assim, uma nova unidade imobiliária (artigo 234 da Lei nº 6.015/73).

A descrição do imóvel rural, isto é, da unidade imobiliária, na sua matrícula, perante o Registro de Imóveis, de acordo com os §§ 3º e 4º do artigo 176 da Lei 6.015/93, deve ser feita a partir de memorial descritivo elaborado, executado e assinado por profissional habilitado e com a devida Anotação de Responsabilidade Técnica - ART, contendo as coordenadas dos vértices definidores dos limites dos imóveis rurais, georreferenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro, e com precisão posicional já estabelecida em ato normativo e em manual técnico, expedido pelo INCRA. Compete a essa autarquia certificar que a poligonal objeto do memorial descritivo não se sobrepõe a nenhuma outra constante de seu cadastro georreferenciado e que o memorial atende às exigências técnicas, conforme ato normativo próprio. A certificação do memorial descritivo pelo INCRA não implicará reconhecimento do domínio ou a exatidão dos limites e confrontações indicados pelo proprietário (ver artigo 9º do Decreto nº 4.449/2002, com redação dada pelo Decreto nº 5.570/2005).

Assim, sendo efetivado um ato registral que implique desmembramento, remembramento, parcelamento ou alienação total do imóvel constante de sua respectiva matrícula, caberá ao proprietário promover o levantamento topográfico da área, elaborando memorial descritivo contendo as coordenadas dos vértices definidores de seus limites de acordo com o previsto na Lei, submetendo-o ao Incra a fim de que seja expedida a certidão de que a poligonal objeto do memorial descritivo não se sobrepõe a nenhuma outra constante de seu cadastro georreferenciado e que o memorial atende às exigências técnicas, conforme ato normativo elaborado pela autarquia.

Nesse aspecto, impende esclarecer que o imóvel a que corresponde o memorial descritivo mencionado nos §§ 3º e 4º do artigo 176 da Lei nº 6.015/93, é a unidade imobiliária representada pela sua matrícula. Com efeito, determina o inciso I do artigo 176 da Lei de Registros Públicos que cada imóvel terá matrícula própria, estabelecendo como um dos requisitos a identificação do imóvel rural (artigo 176, inciso II, nº 3, alínea "a"), que será feita, repita-se, nos casos de desmembramento, remembramento, parcelamento ou alienação total (§§ 3º e 4º do artigo 176 da Lei nº 6.015/93) a partir de memorial descritivo elaborado, executado e assinado por profissional habilitado e com a devida Anotação de Responsabilidade Técnica - ART, contendo as coordenadas dos vértices definidores dos limites dos imóveis rurais, georreferenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro, e com precisão posicional já estabelecida em ato normativo e em manual técnico, expedido pelo INCRA; salvo se o proprietário desejar unificar outros imóveis rurais (leia-se unidades imobiliárias) que lhe pertençam, com abertura de nova e única matrícula. Nessa última hipótese, o perímetro georreferenciado abrangerá todos os imóveis referidos nas suas respectivas matrículas, as quais serão encerradas, passando, assim, a constituir um único imóvel rural (artigo 235, parágrafo único, da Lei nº 6.015/73).

No caso de desmembramento, deve ser feito o georreferenciamento da área total descrita na matrícula, destacando-se, também por meio de memorial descritivo georreferenciado, a que será objeto do desmembramento (ver, por exemplo, decisão do TRF 1ª Região no MS 2009.41.00.005849-1/RO).

Partes ideais decorrentes da instituição de condomínio não podem ser objeto de georreferenciamento, salvo se os condôminos decidirem pôr fim ao condomínio, quando, então, poderão promover a divisão do imóvel em partes certas e individualizadas, descrevendo-as em memoriais georreferenciados para fins de certificação pelo Incra.

Portanto, é evidente que no procedimento de certificação do memorial descritivo georreferenciado, para os fins e efeitos do Registro de Imóvel, não se aplica o conceito agrário de imóvel rural. A identificação do imóvel rural referida nos §§ 3º e 4º do artigo 176 da Lei nº 6.015/93 é requisito da matrícula. É exigência imposta ao Registro de Imóveis. A Lei nº 6.015/73, com suas alterações introduzidas pela Lei nº 10.267/2001, não se dirige ao cadastro do Incra.

Definitivamente, não há Lei que imponha ao proprietário a obrigação de promover o georreferenciamento de todas as áreas rurais contíguas que lhe pertençam e que estejam matriculadas no Registro de Imóveis competente, quando pretender realizar algum ato relativo a uma de suas propriedades imobiliárias. Melhor esclarecendo — embora pareça já estar se tornando repetitivo —, se uma pessoa detém a titularidade em mais de uma matrícula de imóvel rural que estejam contiguamente localizados e pretenda realizar alguma modificação em uma área correspondente a alguma das matrículas, não estará obrigada a promover o georreferenciamento de todas as outras áreas, mas apenas daquela que sofrerá a alteração. No entanto, a afirmação contrária encontra fundamento legal, porquanto, ao proprietário que desmembra, remembra, parcela ou aliena a área descrita na sua respectiva matrícula, a Lei impõe a obrigação de georreferenciá-la, sob pena de não conseguir efetivar o registro do título que deu causa a esses fatos imobiliários.

A propósito, é de bom alvitre atentar para o fato de que a certificação expedida pelo Incra, repita-se, não implicará reconhecimento do domínio ou a exatidão dos limites e confrontações indicados pelo proprietário (artigo 9º do Decreto nº 4.449/2002, com redação dada pelo Decreto nº 5.570/2005). Chama-se à atenção para esse fato devido à falsa crença — ou à interpretação equivocada da Lei — de que a certificação do memorial descritivo feita pelo Incra expurga do título de domínio os vícios porventura existentes sobre ele, dando a impressão de que o domínio do imóvel descrito no memorial foi “legitimado” pela autarquia federal. Mas, não é assim.

Na verdade, compete exclusivamente ao Oficial de Registro de Imóveis aferir, dentre outras coisas, se a área constante do memorial descritivo corresponde ao imóvel descrito na matrícula e se não está havendo violação a direitos de terceiros confrontantes, procedendo como se estivesse — como na prática está — efetuando uma retificação na matrícula, na forma estabelecida no artigo 213 da Lei nº 6.015/73.

Note-se que nem mesmo os limites divisórios da área georreferenciada são objetos de aferição pelo Incra, ou seja, o Incra certificará a peça técnica independentemente da anuência dos confrontantes, cabendo ao Oficial, a requerimento do interessado, na ausência da declaração expressa dos confinantes de que os limites divisórios foram respeitados, com suas respectivas firmas reconhecidas, proceder de acordo com os §§ 2o, 3o, 4o, 5o e 6o do artigo 213 da Lei no 6.015, de 1973, conforme disposto no artigo 9º, § 8º, do Decreto nº 4.449/2002 (com redação dada pelo Decreto nº 5.570/2005).

O Incra não tem condições nem competência para analisar juridicamente a regularidade do domínio do imóvel que lhe é apresentado por meio de memorial descritivo. Sua função, para o caso de certificação, repita-se, é exclusivamente analisar a poligonal objeto do memorial descritivo a fim de verificar se ela não se sobrepõe a nenhuma outra constante de seu cadastro georreferenciado e se o memorial atende às exigências técnicas, conforme ato normativo elaborado pela autarquia. Se a área constante do memorial não corresponder a da matrícula ou se a descrição do imóvel for inserida na matrícula em detrimento do direito de propriedade de terceiros ou ensejando aquisição indevida de área excedente ou de posse, o erro e a responsabilidade serão imputados exclusivamente ao oficial de registro de imóveis.

Acrescente-se que a utilização do memorial descritivo certificado pelo Incra como prova de propriedade ou de direitos a ela relativos é crime, cuja pena é de 2 a 6 anos de reclusão, conforme o disposto no artigo 19 da Lei nº 4.947, de 6 de abril de 1966.

De seu lado, o Sistema Nacional de Cadastro Rural — SNCR —, instituído pela Lei nº 5.868, de 12/12/1972, regulamentada pelo Decreto nº 72.106, de 18/4/1973, compreende:

a) o Cadastro de Imóveis Rurais, com a finalidade de realizar o levantamento sistemático dos imóveis rurais, para conhecimento das condições vigentes na estrutura fundiária das várias regiões do país;

b) o Cadastro de Proprietários e Detentores de Imóveis Rurais, para coletar informações sobre proprietários e detentores de imóveis rurais, para conhecimento das condições de efetiva distribuição e concentração de terra e do regime de domínio e posse vigentes nas várias regiões do País;

c) o Cadastro de Arrendatários e Parceiros Rurais, para conhecimento das reais condições de uso temporário da terra das diversas regiões do Brasil; e

d) e o Cadastro de Terras Públicas, para levantamento das terras públicas federais, estaduais e municipais, visando ao conhecimento das disponibilidades de áreas apropriadas aos programas de reforma agrária, bem como para conhecimento da situação dos ocupantes de terras públicas.

Impõe a Lei que todos os proprietários, titulares de domínio útil ou possuidores a qualquer título de imóveis rurais, estão obrigados a prestar declaração de cadastro. Uma vez efetuado o cadastro do imóvel, o Incra expedirá o CCIR, sem o qual o proprietário não poderá desmembrar, arrendar, hipotecar, vender ou prometer em venda seu imóvel rural, inclusive, em caso de sucessão causa mortis, nenhuma partilha, amigável (incluindo a escritura pública de inventário e partilha) ou judicial, poderá ser homologada, sob pena de nulidade, conforme estabelecido no artigo 22 da Lei nº 4.947, de 6/4/1966.

Já nas escrituras públicas, fica o tabelião obrigado a mencionar os seguintes dados constantes do CCIR: o código do imóvel, o nome e a nacionalidade do detentor (ou seja, o nome da pessoa que figura no CCIR como sendo o proprietário do imóvel), a denominação do imóvel (mesmo que esteja diferente do nome constante da matrícula) e a sua localização (§ 6º do artigo 22 da Lei nº 4.947/1966); lembrando que o CCIR, em nenhuma hipótese, faz prova de propriedade ou de direitos a ela relativos, imputando-se crime àquele que utilizar esse documento com essa finalidade, ficando sujeito à pena de reclusão de 2 a 6 anos (artigo 19 da Lei nº 4.947/1966). No Registro de Imóveis, o código do imóvel e os dados constantes do CCIR são requisitos da matrícula (Lei nº 6.015/73, artigo 176, § 1º, inciso II, nº 3, alínea "a").

Havendo modificações na matrícula do imóvel rural, tais como, mudança de titularidade, desmembramento, loteamento, unificação de área, retificação de área, instituição de reserva legal e particular do patrimônio natural e outras restrições de caráter ambiental, fica o Oficial de Registro obrigado a comunicá-las ao Incra (§7º do artigo 22 da Lei nº 4.947/66 c/c o artigo 5º do Decreto nº 4.449/2002). Por sua vez, o Incra enviará ao Registro de Imóveis, nos casos de formação de um novo imóvel rural, o código do cadastro do imóvel no SNCR, para fins de averbação (§ 8º do artigo 22 da Lei nº 4.947/66).

Para fins do cadastro do Incra, aplica-se, portanto, o conceito agrário de imóvel rural, podendo este ser constituído por uma ou mais matrículas. Nesse sentido, dispõe o § 3º do artigo 46 do Estatuto da Terra (Lei nº 4.504, de 30/11/1964), que “Os cadastros terão em vista a possibilidade de garantir a classificação, a identificação e o grupamento dos vários imóveis rurais que pertençam a um único proprietário, ainda que situados em municípios distintos, sendo fornecido ao proprietário o certificado do cadastro na forma indicada na regulamentação desta Lei”.

Assim, nada impede que, por meio de ato normativo próprio, o Incra possa exigir do proprietário o cadastramento de todas as áreas rurais que lhe pertençam e que sejam contíguas umas as outras, a fim de constituir um único cadastro dessas áreas, aplicando-se o conceito agrário para classificá-las como sendo um único imóvel rural, atribuindo-lhe um código no SNCR. Nessa hipótese, também nada impede que por meio de suas normas internas, o Incra exija o georreferenciamento do conjunto dessas áreas no momento do cadastramento ou da atualização cadastral.

Conclui-se, em resumo, portanto, que:

a) os conceitos de imóvel rural no âmbito do Registro de Imóveis e do cadastro do Incra têm aplicações distintas;

b) os procedimentos de certificação do memorial descritivo e a inserção dos dados nele constantes para fins de identificação do imóvel na matrícula são diferentes daqueles necessários ao cadastramento no Sistema Nacional de Cadastro de Imóvel Rural;

c) o memorial descritivo georreferenciado e sua respectiva certificação referem-se, perante o Registro de Imóveis, à área objeto de uma matrícula; podendo, no entanto, ser feito o georreferenciamento de áreas constantes de mais de uma matrícula, unificando-as, com a finalidade de ser criada uma nova matrícula, se assim desejar o seu proprietário e se tal providência for juridicamente possível.

d) o cadastro do Incra pode ser feito com a exigência de georreferenciamento de todas as matrículas que compõe o imóvel rural no conceito agrário, por meio de ato normativo próprio, incluindo áreas de posse;

e) a responsabilidade pela qualificação do pedido de identificação do imóvel e a análise da legitimidade do domínio é exclusiva do Oficial de Registro de Imóveis; e

f) o documento de certificação expedido pelo Incra, assim como o CCIR, não podem ser utilizado como prova de propriedade ou de direitos a ela relativos.

Impende esclarecer que este artigo não representa, necessariamente, o entendimento jurídico sobre o assunto eventualmente adotado pela PFE-Incra; nem é manifestação contrária a qualquer procedimento administrativo do Incra relativo ao tema. Trata-se, nada mais, de opinião pessoal, numa tentativa de esclarecer aos usuários dos sistemas — de Registro de Imóveis e do SNCR — o processo de certificação do memorial descritivo à luz do Direito Agrário e do Direito Registral Imobiliário em face dos conceitos de “imóvel rural” extraídos desses ramos do Direito.

Ridalvo Machado de Arruda

Procurador Federal

Especialista em Direito Registral Imobiliário (PUC-Minas)